Sobre os paraguaios que foram achados durante a semana trabalhando em quase regime de escravidão em uma fábrica clandestina de cigarros pertencentes ao contraventor Adilsinho, investigações da Polícia Federal de anos atrás apontaram que eram oferecidas a eles promessa salarial de R$ 3.000,00 (três mil mensais, que seriam depositados em favor da família do trabalhador ou quitados, no Paraguai, quando o trabalhador retornasse para casa;
A remuneração seria acrescida de um vale de R$ 500,00 (quinhentos reais), em espécie, que poderia ser adiantado para financiar seu translado para o Brasil ou pago no local de trabalho.
Às vezes, o aliciador mencionava que a fábrica estaria em São Paulo, mas sempre dizia ser legalizada, jamais revelando quem seria o empregador e qual
seria, precisamente, o endereço do local de trabalho.
Alegava que o trabalho duraria pouco tempo, variando de 2 a 4 meses, com a possibilidade de retorno.
Os cidadãos paraguaios eram orientados a cruzar a fronteira em Foz do Iguaçu, sem passar pelo controle migratório, e pegar um ônibus turístico para São Paulo, muitos deles a suas próprias expensas.
Há casos de trabalhadores que pegaram outro ônibus no terminal rodoviário até o Rio de Janeiro, desembarcando no meio do caminho para encontrar pessoas responsáveis por seu transporte até a fábrica.
Nos demais casos, os trabalhadores já foram abordados na rodoviária de São Paulo e transportados de ônibus fretado para o Rio de Janeiro.
Porém, o trecho final era sempre realizado da mesma forma. Todos os cidadãos paraguaios precisaram desembarcar dos coletivos para entrar em um carro particular, sem saber o destino.
Quando muitos trabalhadores eram recrutados simultaneamente, todos eram transportados em vans. Dentro dos veículos, os trabalhadores tinham
seus olhos vendados e seus aparelhos de telefonia móvel eram tomados pelos motoristas, que não se identificavam, nem mantinham diálogo durante o trajeto.
A venda somente era retirada dos olhos do trabalhador dentro do galpão, quando descobriam que não poderiam mais sair do local, nem mesmo
olhar para o lado de fora, e que seus telefones não seriam restituídos.
Os trabalhadores eram frequentemente ameaçados de morte quando manifestavam sua vontade de deixar o galpão.
Na fábrica, havia câmeras de segurança, totalizando 16 canais de monitoramento eletrônico com gravação DVR.
Um homem alertava que os trabalhadores estavam sendo observados e quem tentasse sair seria capturado novamente, prometendo que mal injusto e grave lhe acometeria. Ele também afirmava que os arredores eram extremamente perigosos para dissuadir a evasão de trabalhadores aqueles que cogitavam fugir do galpão, sequer sabiam onde estavam e temiam por sua vida.
Trata-se de trabalhadores estrangeiros, com situação migratória irregular, sem recursos financeiros, privados de acesso a meios de comunicação, que não foram informados quanto ao endereço do local de trabalho. transportados de olhos vendados por mais de uma hora, sendo diariamente ameaçados e sujeitos a vigilância ostensiva.
Por isso, os cidadãos paraguaios eram forçados a permanecer trabalhando, não tendo decisão a respeito da continuidade da prestação de serviços.
Na fábrica, os trabalhadores cumpriam jornadas extenuantes e eram submetidos. a condições desumanas e degradantes.
A fábrica clandestina de cigarros funcionava 24 horas por dia, 7 dias por semana, e contava com dois geradores de energia para que a produção não precisasse ser interrompida. Nesse sentido, os 24 trabalhadores se revezavam em 2 turnos de trabalho, com duração de 12 horas consecutivas, trocando toda a equipe nos horários de 07h00 e 19h00.
Como as máquinas não poderiam parar de operos trabalhadores faziam apenas uma pausa de 10 a 15 minutos para se alimentar, não podendo o intervalo ser usufruído por mais de um trabalhador simultaneamente. Nessa dinâmica, os trabalhadores ficavam impossibilitados de gozar de repouso semanal.
Além disso, os trabalhadores eram encarregados da própria limpeza do local, inclusive das instalações sanitárias, sempre fora de seu turno de trabalho.
Na área de produção do galpão, havia fiações expostas, vazamento de combustível, ausência de ventilação natural e acúmulo de materiais inflamáveis (e.g., diversas caixas de papelão empilhadas), causando grave risco de incêndio e Nas imagens, nota-se que não havia aparelhos extintores de incêndio, sinalização de emergência ou rota de fuga.
Havia um único alojamento coletivo, cujas condições eram precárias. As camas eram revezadas pelos trabalhadores de diferentes turnos, sendo que algumas ficavam separadas por papelões.
A falta de revestimento nas paredes prejudicava a limpeza e a higiene do recinto, enquanto a falta de janelas dificultava a ventilação e a renovação do
ar.Na cozinha, a higiene também era precária.
Havia alimentos sem controle de validade e sem acomodação ou armazenamento adequados, além de estarem expostos ao contato com animais domésticos.
Nos depoimentos, consta que não eram fornecidos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) ou vestimentas de trabalho. As vítimas eram obrigadas a continuar trabalhando mesmo quando estavam doentes, sendo-lhes negada a assistência médica. Uma pessoa sem qualificação profissional ministrava medicamentos e fazia curativos, às expensas do trabalhador. Havia pessoas operando maquinário com cortes e queimaduras
nas mãos.
Não havia treinamentos para operação de máquinas e equipamentos, nem sobre adequado uso, guarda e conservação de EPIs. Também há relatos de
calor excessivo no galpão, goteiras na área de produção da fábrica e no alojamento, presença de pragas no local, como mosquitos, baratas e ratos, e falta de material para limpeza, secagem e enxugo das mãos nos lavatórios.
Alguns trabalhadores narraram, ainda, que consumiam água da torneira ou proveniente de um poço, sendo que esta sequer era transparente..
FONTE: Relatório da Polícia Federal disponível no site jurídico Jusbrasil