Dois PMs estão sendo submetidos a conselho disciplinar que pode levá-los a expulsão dos quadros da corporação suspeitos de ter exigido indevidamente a quantia de R$ 1.500,00 (mil reais) de um cidadão abordado, sob a justificativa de que este se encontrava com a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) vencida.
A vítima também relatou ter sido submetida a agressões físicas e ameaças durante a abordagem, circunstâncias que, em tese, configuram o crime de extorsão, dentre outras possíveis infrações penais e disciplinares.
O fato ocorreu em maio do ano passado na Rua Francisco Eugênio, em São Cristóvão.
Segundo os autos, os PMs abordaram um veículo conduzido por civil e, após exigirempagamento em espécie sob ameaça e violência, conduziram as vítimas até o Posto de Gasolina Ipiranga, localizado na Rua Francisco Eugênio, onde receberam o valor extorquido.
Durante o deslocamento, os três foram abordados por dois policiais militares emmotocicletas da PMERJ, os quais não exibiam identificação visível nos uniformes e encontravam-se com s Câmeras Operacionais Portáteis (COPs) aparentemente desligadas, uma vez que não se observava o cionamento do LED vermelho, indicador de funcionamento regular do equipamento.
Segundo as declarações prestadas pelas vítimas à 1a DPJM, os policiais militares ordenaram a parada do veículo e solicitaram a documentação do condutor e do automóvel. Após verificarem que a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) do motorista encontrava-se vencida, os militares passaram a ameaçar os ocupantes do carro, afirmando que todos seriam conduzidos à delegacia e que seriam “prejudicados” caso não cooperassem.
Em determinado momento, um dos PMs separou o motorista dos demais e o chamou para conversar em local mais afastado, ocasião em que lhe propôs “resolver a situação de outra forma”, mediante o pagamento da quantia de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais).
Diante da negativa do motorista, que informou não possuir tal valor naquele momento, o militar teria concedido o prazo de cinco minutos para que ele conseguisse o montante junto aos seus pais, sob pena de ser imediatamente conduzido, de forma coercitiva, à delegacia.
Enquanto a vítima tentava contato com sua mãe para solicitar ajuda financeira, seu amigo que se encontrava no banco traseiro do veículo, realizou o registro fotográfico da motocicleta de um dos policiais militares.
Ao perceber a ação, o outro policial aproximou-se de forma agressiva, passou a insultar o rapaz, chamando-o de “filho da p…”, e o questionou, em tom intimidador, sobre o motivo da fotografia.
Na sequência, proferiu a ameaça: “Se fosse um lugar mais isolado, matava os trêsagora”, e, imediatamente, desferiu dois tapas no rosto da vítima, empurrando-a contra o interior do veículo, o que ocasionou a colisão de sua cabeça contra o vidro traseiro. A violência empregada resultou em lesão timpânica no ouvido esquerdo do rapaz fato posteriormente atestado por laudo médico emitido pels da Unidade de Saúde CF Maria Sebastiana de Oliveira (SMS).
O putro PM passou a reforçar a conduta do colega, exigindo que as imagens registradas pelo rapaz fossem imediatamente apagadas, sob ameaça de quebrar o aparelho celular caso a ordem não fosse cumprida.
Diante do fato de a bateria do celular estar descarregada, o motorista colocou o aparelho para carregar no interior do veículo, utilizando a tomada de energia do automóvel.
Assim que o telefone foi ligado, foi entregue a um dos PMs, que, de forma deliberada, acessou a galeria de imagens, apagou os arquivos ali armazenados e, em seguida, esvaziou a lixeira, com o objetivo de eliminar qualquer prova que pudesse comprometer a atuação da dupla.
Durante esse tempo, os policiais ordenaram que o motorista os acompanhasse com seu veículo até um posto de combustível, a fim de realizar o saque do valor que havia conseguido com o apoio de sua família.
Antes da partida, um dos PMs reforçou a ameaça, afirmando que, caso tentassem fugir, seriam perseguidos e mortos. Diante do receio gerado pelas intimidações, o grupo seguiu os policiais até o Posto de Gasolina Ipiranga, localizado na Rua Francisco Eugênio, no 349, no mesmo bairro.
No posto, os policiais estacionaram as motocicletas em uma área mais reservada do pátio,enquanto o motorista se dirigiu à loja de conveniência, onde havia um caixa eletrônico 24 horas.
Comprovantes bancários anexados aos autos demonstram que, às 19h15min53s daquele dia, foi realizada uma transferência da conta de sua mãe para a conta do motorista, mantida no banco digital Nubank.
Em seguida, às 19h19min35s, o motorista transferiu o valor recebido para sua conta no Banco Inter, da qual efetuou três saques de R$ 100,00 (cem reais) cada, totalizando R$ 300,00 (trezentos reais) — embora, conforme relatado, ele acreditasse inicialmente ter sacado R$ 500,00 (quinhentos reais), em razão do nervosismo e da rapidez com que precisou realizar a operação.
As imagens captadas pelo circuito externo do posto de combustível analisadas pela 1a DPJM, confirmam integralmente a movimentação descrita pelas vítimas.
Às 19h20min18s, as duas motocicletas da PMERJ adentram o pátio do posto. Poucos segundos depois, às 19h20min24s, o veículo das vítimas surge nas imagens seguindo as motocicletas e estacionando nas proximidades.
Às 19h26min24s, o motorista foi visto saindo da loja de conveniência e atravessando o pátio em direção aos policiais. Às 19h27min11s, as câmeras registram o momento do encontro entre o motorista e os dois militares, ocasião em que, segundo os relatos, o valor exigido foi entregue, oculto entre os documentos do veículo, conforme orientação prévia dos próprios policiais.
Um dos PMs recebeu o envelope e imediatamente guardou o dinheiro no bolso.
Após a entrega do valor, as motocicletas dos policiais deixaram o posto às 19h28min13s e,dezenove segundos depois, às 19h28min32s, o veículo ocupado pelas vítimas também saiu do local.
Na sequência, um dos PMs teria proferido nova ameaça, afirmando que, caso voltassem a encontrá-los naquela região, “mataria os três”.
Segundo a PM, os envolvidos olvidaram os ensinamentos ministrados no curso de formação, demonstrando comportamento atentatório ao sentimento do dever, à honra pessoal, ao pundonor militar e ao decoro da classe, servindo como exemplo negativo aos seus pares.
Trata-se de um ato transgressivo de natureza grave, caracterizado pela audácia da conduta, que evidencia o uso da graduação para obtenção de facilidades pessoais e uma certeza de impunidade. Esta conduta assume maior gravidade ao se considerar que o acusado, enquanto policial militar em atividade, tem o dever primordial de zelar pela segurança da coletividade, configurando uma inversão de valores que exige uma resposta adequada
da Corporação.
FONTE: Boletim Interno da PMERJ