MC Poze do Rodo foi absolvido no ano passado de um processo por associação ao tráfico de drogas. A ação envolvia traficantes da Favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, domnada pelo Comando Vermelho.
A sentença dizia que o funkeiro tinha a função de mestre de cerimônias dos bailes funks financiados pelo tráfico e realizados nas comunidades dominadas pela dita facção criminosa, tendo este declarado em sede policial que “defende a bandeira do Comando Vermelho” e só cantava em bailes realizados em comunidades por ela dominadas.
Na função de MC, Poze participou da comemoração ao aniversário do traficante vulgo Fred, segundo na hierarquia do crime do Jacarezinho e cantou “funks proibidões”, cuja letra dizia “Milícia se brotar, a bala vai comer”, “Eu tô cheio de ódio, eu tô boladão”.
Poze foi acusado de fazer apologia de fato criminoso e de autor de crime, na medida em que, enquanto cantava músicas que faziam larga alusão a crimes, centenas de disparos de armas de fogo eram desferidos para o alto pelos participantes, em local densamente habitado, oportunidade em que Poze os acompanhava, fazendo gestos simulando disparos de armas de fogo com ambas as mãos, rindo e dançando, não tendo se intimidado e nem se constrangido em nenhum momento em razão das rajadas disparadas pelo público.
Além disso, o funkeiro saudou os elementos de vulgo “Diguinho, Caracu e Fred”.
No dia dos fatos, foi realizado o baile funk denominado Pistão e Poze foi contratado o que somente realiza eventos em comunidades dominadas pelo “Comando Vermelho”, por já ter exercido a função de “vapor” na Comunidade do Rodo, em Santa Cruz, até os traficantes serem expulsos daquela localidade pela milícia.
Poze falou na época que, no passado, integrava a facção criminosa mas negou as acusações.
Asseverou que, no dia do suposto vídeo, iria fazer dois shows, um em São Gonçalo e outro na Comunidade do Jacarezinho. Alegou que, como cantor de rap, trap e funk, as letras de suas músicas abordam temas como amor, cotidiano dos moradores de comunidades, filhos, entre outras temáticas contemporâneas.
Explicou que o nome “MC Poze do Rodo” é seu nome artístico, e não seu vulgo como qualificou a denúncia. Disse que foi surpreendido quando chegou a informação, por meio de seu antigo produtor musical, que teria que ir à delegacia em razão do acontecimento de um show na comunidade do Jacarezinho, negando conhecer os outros réus.
Disse também que desconhecia que o show contratado se destinava a comemoração do acusado Fred., esclarecendo que, em seus shows, não participa diretamente da contratação nem mesmo sobre os pagamentos, sendo estas informações e encargos responsabilidade de sua equipe.
Ainda, disse que não tem como “controlar quem frequenta o show”, não se recordando nem das presenças de crianças nem mesmo de disparos de armas de fogo efetuados.
Quanto as saudações/menções à traficantes, referidas em trecho da denúncia, Poze asseverou que constantemente faz “saudações”, mas que não é “direcionado” para ninguém especificamente.
Disse, ainda que as fotos anexadas ao inquérito, do acusado portanto armas de fogo, foram tiradas durante a produção de vídeo clipes musicais realizados no lugar onde morava, quando menor, não se tratando de armas de fogo.
Por outro lado, afirma que, em que pese ter narrado em seu termo de declaração o contrário, sempre morou em comunidade, tinha o convívio com pessoas ligadas ao tráfico, mas que nunca participou do movimento criminoso do tráfico de drogas. Por fim, disse que destacou que suas músicas possuem letras que “dizem de tudo, menos sobre facções criminosas”. Falam sobre o dia a dia de uma pessoa de comunidade. E desconhece completamente as letras de músicas descritas na denúncia.
Para absolver Poze, a Justiça alegou que não havia elementos suficientes e necessários a formação de convicção exauriente.
Segundo os autos, ao fim da instrução, nem mesmo se pode concluir sobre a autenticidade do vídeo que deu azo ao início da ação penal. Os dois policiais civis ouvidos em juízo confirmaram que o vídeo em que aparece Poze em um show não foi periciado. Não há nem mesmo como se afirmar que o show foi realizado no dia dos fatos narrados na denúncia.
O que se tem como incontroverso é que o acusado Marlon é um artista de canta músicas a retratar o dia a dia das comunidades mais vulneráveis.
Como ressaltou o acusado em sede judicial, suas músicas narram situações de pessoas, que fazem parte destes ambientes, à margem da sociedade. As narrativas cantadas pelo acusado em hipótese alguma podem ser enquadradas ao tipo penal de apologia ao crime, uma vez que são somente retratos adquiridos pelo acusado diante todo o vivenciado em sua trajetória.
Como dito anteriormente, há, de início, dúvidas acerca da autenticidade do vídeo em que, supostamente, apareceria o acusado em um show na comunidade. Além do único vídeo juntado, não houve qualquer apreensão de armamento ou material relacionado a prática de crimes. Os dois policiais ouvidos não estavam no local no suposto show, tendo apenas se confrontado com o vídeo veiculado pela internet.
Dizer que as palavras destacadas em denúncia “Milícia se brotar, a bala vai comer” e “Eu tõ cheio de odio, eu tô boladão”, incitam a prática de delitos fogem a lógica razoável de nossa realidade cotidiana e se aproximam de impressões preconceituosas que vez ou outra insistem em afrontar a prática democrática da liberdade de expressão.
FONTE: TJ-RJ